Ao receber o diagnóstico de um tumor cerebral, muitas pessoas se surpreendem ao saber que, em alguns casos, a cirurgia pode ser realizada com o paciente acordado. Não é raro que pacientes já tenham visto vídeos de pessoas tocando violão, conversando ou realizando tarefas durante esse tipo de procedimento, o que naturalmente causa curiosidade e apreensão.

Apesar de parecer assustadora à primeira vista, a cirurgia com o paciente acordado é uma técnica bem estabelecida e amplamente utilizada em centros especializados no mundo todo. Seu objetivo é muito claro: permitir a retirada do máximo possível do tumor, preservando funções essenciais, especialmente relacionadas a fala e cognição.

 

O que é a cirurgia com o paciente acordado?

A cirurgia com o paciente acordado, também chamada de awake craniotomy, é um procedimento em que parte da operação ocorre com o paciente consciente, porém sem dor. Isso é possível graças ao uso de técnicas modernas de anestesia e monitorização, que garantem conforto e segurança durante todo o procedimento.

Durante a cirurgia, o neurocirurgião pode pedir ao paciente que fale, movimente braços ou pernas, realize cálculos simples e execute testes de memória e raciocínio. É importante ressaltar que esses testes neuropsicológicos também são realizados antes da cirurgia, permitindo que a equipe tenha uma referência do funcionamento cerebral do paciente.

Essas interações possibilitam que a equipe identifique, em tempo real, áreas do cérebro responsáveis por funções essenciais, garantindo que sejam preservadas durante a retirada do tumor.

 

Por que essa técnica é importante nos gliomas?

Os gliomas são tumores que costumam se infiltrar no tecido cerebral e, muitas vezes, se localizam próximos a áreas chamadas de eloquentes, responsáveis pelas funções essenciais (fala, memória, visão, movimentos, coordenação, etc).

A cirurgia com o paciente acordado permite mapear essas áreas durante a cirurgia e, consequentemente, aumentar a chance de retirar mais tumor, com segurança.

Diversos estudos mostram que quanto maior a retirada do glioma, melhor tende a ser o controle da doença, desde que isso seja feito sem causar déficits neurológicos.

 

A cirurgia acordado dói?

O cérebro não possui receptores de dor. As demais estruturas, como a pele e o osso do crânio, são cuidadosamente anestesiadas por meio de bloqueios anestésicos, garantindo conforto durante todo o procedimento. O paciente é acompanhado de perto por uma equipe de anestesistas experientes, que monitora continuamente seus sinais vitais.

Em muitos casos, a cirurgia se inicia com o paciente dormindo. Ele é acordado apenas no momento em que o cérebro já está exposto, fase em que não há dor, permitindo a realização segura dos testes funcionais.

A maioria dos pacientes relata que a experiência é muito mais tranquila do que imaginava, especialmente por compreender cada etapa do procedimento e por se sentir acolhida e acompanhada durante todo o tempo.

 

Todos os pacientes com glioma podem fazer esse tipo de cirurgia?

Não. A indicação depende de vários fatores, como:

  • Localização do tumor;
  • Tipo de glioma;
  • Condição clínica do paciente;
  • Capacidade de colaboração durante o procedimento.

O neurocirurgião avalia cada caso de forma individualizada para definir a melhor estratégia cirúrgica.

 

Quais são os benefícios?

Os principais benefícios da cirurgia com o paciente acordado incluem:

  • Maior segurança na retirada do tumor;
  • Menor risco de sequelas permanentes;
  • Preservação da fala, da força e da autonomia do paciente;
  • Melhor qualidade de vida após a cirurgia.

 

Conclusão

A cirurgia com o paciente acordado é uma técnica segura e baseada em evidência científica, especialmente importante no tratamento dos gliomas localizados em áreas nobres do cérebro. Ela permite unir tratamento eficaz com preservação das funções neurológicas, algo fundamental para a vida diária do paciente.

 

Referências:

1- Gerritsen JKW, Zwarthoed RH, Kilgallon JL, Nawabi NL, Jessurun CAC, Versyck G, et al. Effect of awake craniotomy in glioblastoma in eloquent areas (GLIOMAP): a propensity score–matched analysis of an international, multicentre cohort study. Lancet Oncol. 2023.

2- Hervey-Jumper SL, Zhang Y, Phillips JJ, Morshed RA, Young JS, McCoy L, et al. Interactive effects of molecular, therapeutic, and patient factors on outcome of diffuse low-grade glioma. JAMA Neurol. 2020.

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